ANIMAIS NO CIRCO: O QUÊ VEM PRIMEIRO? LUTA POLÍTICA OU O RESGATE DO IMAGINÁRIO?
JUNIOR PERIM, fundador e coordenador executivo do CRESCER E VIVER, é membro da Rede Iberoamericana para o Desenvolvimento das Artes Circenses.
Tenho acompanhado os esforços da comunidade circense pela regulamentação da utilização de animais em espetáculos circenses, no Brasil. A causa, que antes afetava apenas aos circos que incorporavam ou que incorporam os animais aos seus espetáculos, vem mobilizando pesquisadores e intelectuais, trupes e grupos, companhias e artistas, escolas e centros de formação, todos estes, segmentos do circo que, mesmo não utilizando animais em suas práticas e fazeres, passaram a manifestar o seu apoio à pretendida regulamentação.
A pressão midiática é forte, e de tempos em tempos se renovam as denúncias de “maus tratos” que motivam novas ondas proibitivas e fortalecem o senso comum de que “circo legal não tem animal”.
Como resposta, a comunidade circense protesta com cartas, e-mail’s, manifestos e gestões junto às autoridades públicas, notadamente as ligadas à cultura. Além disso tenta incidir junto ao Poder Legislativo nos diferentes níveis, arguindo sobre o valor histórico e a importância cultural dos animais como traço essencial de um modelo de espetáculo que integra o imaginário circense.
Embora a comunidade circense tenha clara, defenda e lute pela regulamentação, parece-me que falta a ela estabelecer um diálogo com a sociedade, afinal, aceite o circo ou não, o maior resultado da pressão midiática é a formação de uma opinião pública, visceral e radicalmente contra os animais em circo. E, quando falo de opinião pública, não falo só da massa da população, mas de formadores de opinião e de atores sociais da cultura que não integram o universo circense. Como minha proposta é justamente ter noção do que pensa esse grupo sobre o tema “animais em circo”, consultei alguns deles com os quais mantenho relações e o resultado foi que: são contra. E qual tem sido a postura da comunidade circense frente a isso? O que tenho visto é adoção de estratégias não muito diferentes daquelas utilizadas pelas associações protetoras dos animais – endemonizar todos aqueles se contrapõem à sua luta, mesmo quando se trata de “gentes” e grupos sociais influenciado pela grande mídia sem fazer qualquer avaliação crítica.
Ao se fazer uma análise das estratégias até aqui adotadas pela comunidade circense na luta pela regulamentação dos animais em circo, a constatação é de que a luta pouco avançou. Para os que afirmam o contrário, deixo a seguinte questão: quais são os saldos concretos de tantas batalhas? O único positivo que consigo perceber é a unidade do discurso da comunidade circense, mas um discurso feito para ela mesma, um discurso que não cativou o povo que não aproximou outros sujeitos em escala suficiente para potencializar as suas pressões políticas. Fora isso, o que vemos são as apreensões discricionárias de animais efetuadas pelo Estado e um número cada vez maior de municípios brasileiros editando legislações proibitivas que impedem a circulação/itinerância dos circos que ainda inserem animais em seus espetáculos.
A luta não sensibilizou sequer as autoridades públicas no âmbito federal, com as quais o circo vem mantendo diálogo sistemático sobre a regulamentação. Afinal, o Estado que, através do MinC/FUNARTE, vem ampliando o apoio e o incentivo às atividades circenses, é o mesmo Estado que, através do IBAMA apreende animais.
A idéia de estabelecer este debate não é promover a identificação dos “adversários” da luta pela regulamentação dos animais em circos. O propósito é sugerir à comunidade circense uma reflexão sobre novas estratégias que devem ser adotadas, para que a luta pela regulamentação não siga perdendo batalhas ao focar sua incidência junto ao Congresso e aos governos que, sabemos, especialmente em um ano eleitoral, jamais irá se posicionar contra o senso comum, contra, repito, uma opinião pública visceral e radicalmente contrária.
Chegou a hora, aliás, passou da hora, do circo brasileiro investir a sua energia no resgate do imaginário circense, desenhando estratégias de diálogo com a sociedade que dêem conta de mostrar experiências do bom trato dispensado pelos circos aos seus animais, de demonstrar que os animais de circo (hoje) em sua totalidade não foram retirados do habitat natural. Enfim, de estimular em cada brasileiro e brasileira o resgate da sua mais elementar lembrança do espetáculo circense que assistiu na infância, no qual, por certo, consta como principal registro, a imagem de um animal exótico ou não, apresentado com graça e respeito pelo seu domador ou retirado da cartola de um mágico com um truque inacreditável.
É momento da comunidade circense aceitar, como principal desafio da luta em favor da regulamentação dos animais em espetáculos, ganhar a simpatia e o apoio da opinião pública, sem a qual, a pretendida regulamentação não será intuída e encarada com ações concretas pelos Poderes Legislativo e Executivo. Só revertendo a posição da opinião pública, colocando-a a favor da causa entorno da qual (hoje) só o circo me parece estar articulado a luta terá chances de vitória. Do contrário as pernas dos soldados circenses vão se afundar no lodaçal do jogo político que, inevitavelmente, levará em consideração o que “pensa” o povo. Portanto, é preciso ganhá-lo, esta é a lógica basal da sociedade democrática.
A mais recente e boa experiência de um movimento que, paulatinamente, vem ganhando a opinião pública e a partir daí obtendo ganhos legislativos é o movimento homossexual. Que tal o circo observá-lo e aproveitar a experiência de mobilização e reversão do preconceito que ele vem empreendendo? Bom, mas este é papo para um novo artigo.
(artigo escrito para o site Circonteúdo, em junho de 2010)
Agora uma perguntinha: E os animais a serviço da polícia?.... (Cristina Diôgo)