Realização de Roda de Diálogo - Processo preparatório para a participação do Seminário que acontecerá durante a Expedição Acrobatas da Serra da Capivara.
Conhecendo a pesquisa Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses da pesquisadora Alice Viveiros
Esta atividade acontecerá simultaneamente nas instituições participantes , durante o mês de abril onde se fará uma leitura comentada do resultado da pesquisa de Alice Viveiros de Castro. Deverão participar desta experiência 15 jovens de cada projeto, o grau de participação e interesse nesta atividade subsidiará a escolha de 4 jovens que farão parte da expedição.
Esta experiência deverá ser fotografada e os participantes devem produzir um relatório descrevendo inclusive a metodologia adotada para estudo da obra de Alice Viveiros.
Texto norteador das rodas de diálogo
Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses
O Parque Nacional Serra da Capivara foi criado em 1979, a fim de proteger o extraordinário patrimônio cultural associado ao patrimônio natural concentrado na região sudeste do Piauí, ocupando áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. Possui 129.140 hectares num perímetro de 214 km.
Tanto no Parque quanto no seu entorno existe uma grande quantidade de sítios arqueológicos com pinturas e gravuras rupestres. As pinturas diversificadas apresentam cenas de dança, luta, práticas sexuais, rituais em torno de uma árvore, formas zoomorfas e antropomorfas, além de grafismos puros.
Este é o texto de um belo folheto do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – uma das instituições responsáveis pelo Parque e pela conservação e proteção de seus sítios arqueológicos. Este trabalho procura provar que a última frase deve ser modificada. A ela devem ser acrescentadas as palavras cenas de acrobacia circense. E com destaque, pois nas pinturas da Serra da Capivara se encontram os mais antigos registros das Artes Circenses em todo o mundo.
Alice Viveiros de Castro
abril de 2009
Bolsa de Pesquisa Funarte/Prêmio Carequinha 2008
Antes de tudo, primeiro do que nada alguns conceitos fundamentais:
1. O que é Acrobacias
Acrobacia – o termo é grego e tem origem em acros, extremidade, e batès, que anda, que marcha. Significa, no sentido literal, aquele que anda na ponta dos pés. Segundo G. Strehly, em seu magnífico L' Acrobatie et les Acrobates (Zlatin, Paris, 1977, reedição do original de 1903), acrobata era o termo utilizado pelos antigos para designar os dançarinos, os funâmbulos, os saltadores, os saltimbancos.
“Le mot acrobate est un mot d'origene grecque. Il signifie: “Celui qui marche sur la pointe des pieds” ( de acros, que est à l'extremité, et batès, qui marche). Il designait chez les anciens les danseurs, les funambules, les sauters, les saltimbanques. Il est aujourd'hui le terme officiel pour désigner tous ceux qui font, sur nos théàtres, des tours de force ou d'adresse: il a remplacé le terme saltimbanque ( de l'italien salta in banco, qui saute sur le tréteaux), qui ne s'emploie plus qu'avec une nuance péjorativer, et celui plus ancien encore de tumbeor (un anglais tumbler, littéralement celui qui se laisse tomber), par lequel le moyen âge désignait tous les faiseurs de sauts périlleux et de culbutes.”
Strehly, em 1903, considerava a palavra acrobacia como o termo oficial para designar todos aqueles que faziam exercícios de força e destreza. E comentava que a palavra acrobata substituía saltimbancos, termo que ao longo dos tempos adquiriu um sentido pejorativo e também o termo medieval tumbeor, do inglês tumbler, que literalmente significa aquele que se deixa cair, tombar.
As mudanças sofridas pelas palavras ao longo dos tempos e nas diferentes culturas nos ajudam a perceber como é importante caminhar com cuidado e delicadeza quanto tentamos compreender outras épocas e outras culturas. Pequenas nuances podem nos levar a grandes equívocos. Por isso acredito que o mais importante é tentar compreender os fatos e as inúmeras formas de expressá-los num sentido mais amplo. Sem desprezar os detalhes mas sabendo que nunca saberemos com exatidão o que pensavam e sentiam nossos antepassados. Podemos ter uma visão aproximada, buscar uma tradução correndo os riscos de perder o sabor original mas tentando repassar as sensações e fundamentos originais.
O importante hoje para nós é compreender que o termo Acrobacia está diretamente ligado a movimentos de destreza, em que se vira de ponta cabeça, em que se gira o corpo no próprio eixo, em diferentes eixos, em que se busca um reequilíbrio numa situação de intencional desequilíbrio, em que se corre o risco da queda, do tombo.
Saltos mortais, giros, cambalhotas, saltos em que as mãos tocam o chão, saltos em volta completa, largar-se no ar, voar por um momento até pousar nas mãos do companheiro ou numa trave ou num galho de árvore. Saltar com as pernas esticadas, fletidas, abertas, encolhidas não importa. Tudo é acrobacia.
Virar de ponta cabeça e permanecer em equilíbrio com as duas mãos no chão, ou só com uma mão ou diretamente com a cabeça como apoio. Equilibrar-se num outro, mão na cabeça, nos joelhos, nos ombros. Equilibrar-se num objeto, subir uma escada de ponta cabeça. Todo exercício de equilíbrio é acrobacia.
Virar a cabeça para trás até que ela dê a volta e se encontre com os pés. Torcer os ombros invertendo direita e esquerda, girar os braços deslocando as omoplatas. Pés na cabeça caminhar com as mãos no chão. Toda contorção e deslocação é acrobacia.
2. Acrobacia Circense
Quando uma criança corre pelas ruas e se dependura num galho de árvore ou se joga na grama rolando até não poder mais está praticando acrobacias. O pegador de coco que com agilidade usa pés e mãos para subir no alto do coqueiro é um acrobata. O caçador que salta sobre sua presa do alto de uma árvore é um acrobata.
Mas eles ainda não são acrobatas circenses. Não são artistas. Separamos aqui o ato de saltar do ato de saltar conscientemente. Do salto sem motivação outra que a demonstração de uma grande habilidade, de uma destreza especial.
Dos exemplos citados no primeiro parágrafo talvez a criança seja o mais artísta de todos. Ela tem consciência da dificuldade do seu exercício e comumente busca a aprovação da mãe ou de um coleguinha: - Olha o que eu faço! Olha para mim! Mira, mamá! O tirador de coco será reconhecido pela sua capacidade de coletar o maior número de cocos. O caçador pela qualidade e quantida de caça conquistada. Mas o artista é reconhecido pela perícia do salto. A forma é sua excelência, seu prazer, seu reconhecimento.
3. As Artes do Circo na Antiguidade
As mais antigas imagens de artistas circenses reconhecidas até o momento pelos estudiosos eram as pinturas de Wuqiao, na província de Hebei na China. As imagens dos saltadores que se esconderam por trás dos cavaleiros e que no meio da batalha assustaram os inimigos com suas proezas acrobáticas fazem referência a um célebre combate acontecido há mais de 6.000 anos. Por conta dessas imagens e da fortíssima tradição acrobática deste povo há muito se diz que o Circo nasceu na China.
As imagens dos hábeis saltadores de touros de Knossos, em Creta, de mais de 4.800 anos; as pirâmides de Tebas com imagens que provam que há mais de 5.000 anos já existiam malabaristas, contorcionistas, adestradores, equilibristas e mágicos e as cerâmicas com pinturas de acrobacias sobre touros de Çatal Huyuk, na Anatólia, com 8.000 nos fazem concluir a Arte das habilidades, destrezas e proezas é intrínseca à cultura dos humanos.
Sabemos que artistas circenses faziam sucesso por toda a antiguidade e que estavam presentes nas culturas pré-colombianas, na África e na Oceania. Tudo indica que da mesma forma que o homem dança, canta, toca, conta histórias, representa personagens e desenha é também próprio do humano a arte de surpreender e encantar seus semelhantes com movimentos insólitos, equilíbrios precários e saltos variados.
E porque não seria assim? O homem caçador e coletor devia valorizar a agilidade, a coragem e capacidade de superação, alguns dos pré-requisitos para as atividades circenses. Subir em árvores, saltar pelos galhos, imitar o balanço dos macacos e equilibrar-se nos ombros dos companheiros para ficar mais alto e alcançar uma colméia ou uma fruta cobiçada são movimentos que bem servem de preparo para uma invejável trupe acrobática. E sem dúvida nossos caçadores desenvolveram com os animais uma relação que ia muito além da de predadores versus possíveis alimentos. É tocante ver a relação afetiva que existe entre os povos que ainda hoje vivem na natureza e os animais que os cercam. Não há tribo índígena no Brasil que não acolha pequenos animais e com eles desenvolvam pequenas brincadeiras de adestramento.
Difícil dizer quando a brincadeira vira arte. Quando os assistentes podem ser chamados de público. A divisão entre artista e público é um conceito atual mas ainda hoje, em muitas manifestações populares encontramos um papel intermediário entre o que “faz” e o que “assiste”. Como exemplo podemos citar o carnaval: quem sai num bloco é um folião mas há foliões mais participativos e outros mais contemplativos.... Quem é o artista no carnaval ? Nas festas juninas, nos inúmeros folguedos com a tradição do boi também podemos ver outra relação entre os “brincantes” que está muito além do conceito artista/fazedor X público/assistente passivo.
Por tanto se identificamos nos antigos a dança, o teatro, a música por que não poderemos reconhecer nas atividades de nossos antepassados as artes do circo?
Parque Nacional da Serra da Capivara – 25.000 pinturas rupestres
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