sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Roda de Diálogo preparatória para Expedição Acrobatas da Serra da Capivara


Realização de Roda de Diálogo - Processo preparatório para a participação do Seminário que acontecerá durante a Expedição Acrobatas da Serra da Capivara.

Conhecendo a pesquisa Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses da pesquisadora Alice Viveiros

Esta atividade acontecerá simultaneamente nas instituições participantes , durante o mês de abril  onde se fará uma leitura comentada  do resultado da pesquisa de Alice Viveiros de Castro. Deverão participar desta experiência  15 jovens  de cada projeto, o grau de participação e interesse nesta atividade subsidiará a escolha de 4 jovens que farão parte da expedição. 

Esta experiência deverá ser fotografada e os participantes devem produzir um relatório descrevendo inclusive a metodologia adotada para estudo da obra de Alice Viveiros.

Texto norteador das rodas de diálogo

Acrobatas da Serra da Capivara – 27.000 anos de proezas e equilíbrios circenses

O Parque Nacional Serra da Capivara foi criado em 1979, a fim de proteger o extraordinário patrimônio cultural associado ao patrimônio natural concentrado na região sudeste do Piauí, ocupando áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. Possui 129.140 hectares num perímetro de 214 km.

Tanto no Parque quanto no seu entorno existe uma grande quantidade de sítios arqueológicos com pinturas e gravuras rupestres. As pinturas diversificadas apresentam cenas de dança, luta, práticas sexuais, rituais em torno de uma árvore, formas zoomorfas e antropomorfas, além de grafismos puros.

Este é o texto de um belo folheto do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – uma das instituições responsáveis pelo Parque e pela conservação e proteção de seus sítios arqueológicos. Este trabalho procura provar que a última frase deve ser modificada. A ela devem ser acrescentadas as palavras cenas de acrobacia circense. E com destaque, pois nas pinturas da Serra da Capivara se encontram os mais antigos registros das Artes Circenses em todo o mundo.

Alice Viveiros de Castro

abril de 2009

Bolsa de Pesquisa Funarte/Prêmio Carequinha 2008

Antes de tudo, primeiro do que nada alguns conceitos fundamentais:

1. O que é Acrobacias

Acrobacia – o termo é grego e tem origem em acros, extremidade, e batès, que anda, que marcha. Significa, no sentido literal, aquele que anda na ponta dos pés. Segundo G. Strehly, em seu magnífico L' Acrobatie et les Acrobates (Zlatin, Paris, 1977, reedição do original de 1903), acrobata era o termo utilizado pelos antigos para designar os dançarinos, os funâmbulos, os saltadores, os saltimbancos.

“Le mot acrobate est un mot d'origene grecque. Il signifie: “Celui qui marche sur la pointe des pieds” ( de acros, que est à l'extremité, et batès, qui marche). Il designait chez les anciens les danseurs, les funambules, les sauters, les saltimbanques. Il est aujourd'hui le terme officiel pour désigner tous ceux qui font, sur nos théàtres, des tours de force ou d'adresse: il a remplacé le terme saltimbanque ( de l'italien salta in banco, qui saute sur le tréteaux), qui ne s'emploie plus qu'avec une nuance péjorativer, et celui plus ancien encore de tumbeor (un anglais tumbler, littéralement celui qui se laisse tomber), par lequel le moyen âge désignait tous les faiseurs de sauts périlleux et de culbutes.”

Strehly, em 1903, considerava a palavra acrobacia como o termo oficial para designar todos aqueles que faziam exercícios de força e destreza. E comentava que a palavra acrobata substituía saltimbancos, termo que ao longo dos tempos adquiriu um sentido pejorativo e também o termo medieval tumbeor, do inglês tumbler, que literalmente significa aquele que se deixa cair, tombar.

As mudanças sofridas pelas palavras ao longo dos tempos e nas diferentes culturas nos ajudam a perceber como é importante caminhar com cuidado e delicadeza quanto tentamos compreender outras épocas e outras culturas. Pequenas nuances podem nos levar a grandes equívocos. Por isso acredito que o mais importante é tentar compreender os fatos e as inúmeras formas de expressá-los num sentido mais amplo. Sem desprezar os detalhes mas sabendo que nunca saberemos com exatidão o que pensavam e sentiam nossos antepassados. Podemos ter uma visão aproximada, buscar uma tradução correndo os riscos de perder o sabor original mas tentando repassar as sensações e fundamentos originais.

O importante hoje para nós é compreender que o termo Acrobacia está diretamente ligado a movimentos de destreza, em que se vira de ponta cabeça, em que se gira o corpo no próprio eixo, em diferentes eixos, em que se busca um reequilíbrio numa situação de intencional desequilíbrio, em que se corre o risco da queda, do tombo.

Saltos mortais, giros, cambalhotas, saltos em que as mãos tocam o chão, saltos em volta completa, largar-se no ar, voar por um momento até pousar nas mãos do companheiro ou numa trave ou num galho de árvore. Saltar com as pernas esticadas, fletidas, abertas, encolhidas não importa. Tudo é acrobacia.

Virar de ponta cabeça e permanecer em equilíbrio com as duas mãos no chão, ou só com uma mão ou diretamente com a cabeça como apoio. Equilibrar-se num outro, mão na cabeça, nos joelhos, nos ombros. Equilibrar-se num objeto, subir uma escada de ponta cabeça. Todo exercício de equilíbrio é acrobacia.

Virar a cabeça para trás até que ela dê a volta e se encontre com os pés. Torcer os ombros invertendo direita e esquerda, girar os braços deslocando as omoplatas. Pés na cabeça caminhar com as mãos no chão. Toda contorção e deslocação é acrobacia.

2. Acrobacia Circense

Quando uma criança corre pelas ruas e se dependura num galho de árvore ou se joga na grama rolando até não poder mais está praticando acrobacias. O pegador de coco que com agilidade usa pés e mãos para subir no alto do coqueiro é um acrobata. O caçador que salta sobre sua presa do alto de uma árvore é um acrobata.

Mas eles ainda não são acrobatas circenses. Não são artistas. Separamos aqui o ato de saltar do ato de saltar conscientemente. Do salto sem motivação outra que a demonstração de uma grande habilidade, de uma destreza especial.

Dos exemplos citados no primeiro parágrafo talvez a criança seja o mais artísta de todos. Ela tem consciência da dificuldade do seu exercício e comumente busca a aprovação da mãe ou de um coleguinha: - Olha o que eu faço! Olha para mim! Mira, mamá! O tirador de coco será reconhecido pela sua capacidade de coletar o maior número de cocos. O caçador pela qualidade e quantida de caça conquistada. Mas o artista é reconhecido pela perícia do salto. A forma é sua excelência, seu prazer, seu reconhecimento.


3. As Artes do Circo na Antiguidade

As mais antigas imagens de artistas circenses reconhecidas até o momento pelos estudiosos eram as pinturas de Wuqiao, na província de Hebei na China. As imagens dos saltadores que se esconderam por trás dos cavaleiros e que no meio da batalha assustaram os inimigos com suas proezas acrobáticas fazem referência a um célebre combate acontecido há mais de 6.000 anos. Por conta dessas imagens e da fortíssima tradição acrobática deste povo há muito se diz que o Circo nasceu na China.

As imagens dos hábeis saltadores de touros de Knossos, em Creta, de mais de 4.800 anos; as pirâmides de Tebas com imagens que provam que há mais de 5.000 anos já existiam malabaristas, contorcionistas, adestradores, equilibristas e mágicos e as cerâmicas com pinturas de acrobacias sobre touros de Çatal Huyuk, na Anatólia, com 8.000 nos fazem concluir a Arte das habilidades, destrezas e proezas é intrínseca à cultura dos humanos.

Sabemos que artistas circenses faziam sucesso por toda a antiguidade e que estavam presentes nas culturas pré-colombianas, na África e na Oceania. Tudo indica que da mesma forma que o homem dança, canta, toca, conta histórias, representa personagens e desenha é também próprio do humano a arte de surpreender e encantar seus semelhantes com movimentos insólitos, equilíbrios precários e saltos variados.



E porque não seria assim? O homem caçador e coletor devia valorizar a agilidade, a coragem e capacidade de superação, alguns dos pré-requisitos para as atividades circenses. Subir em árvores, saltar pelos galhos, imitar o balanço dos macacos e equilibrar-se nos ombros dos companheiros para ficar mais alto e alcançar uma colméia ou uma fruta cobiçada são movimentos que bem servem de preparo para uma invejável trupe acrobática. E sem dúvida nossos caçadores desenvolveram com os animais uma relação que ia muito além da de predadores versus possíveis alimentos. É tocante ver a relação afetiva que existe entre os povos que ainda hoje vivem na natureza e os animais que os cercam. Não há tribo índígena no Brasil que não acolha pequenos animais e com eles desenvolvam pequenas brincadeiras de adestramento.



Difícil dizer quando a brincadeira vira arte. Quando os assistentes podem ser chamados de público. A divisão entre artista e público é um conceito atual mas ainda hoje, em muitas manifestações populares encontramos um papel intermediário entre o que “faz” e o que “assiste”. Como exemplo podemos citar o carnaval: quem sai num bloco é um folião mas há foliões mais participativos e outros mais contemplativos.... Quem é o artista no carnaval ? Nas festas juninas, nos inúmeros folguedos com a tradição do boi também podemos ver outra relação entre os “brincantes” que está muito além do conceito artista/fazedor X público/assistente passivo.

Por tanto se identificamos nos antigos a dança, o teatro, a música por que não poderemos reconhecer nas atividades de nossos antepassados as artes do circo?

Parque Nacional da Serra da Capivara – 25.000 pinturas rupestres

Vista do paredão do Boqueirão da Pedra Furada, a frente, quase imperceptível ,

a pintura do grupo de acrobatas que deu origem a este trabalho


Patrimônio Cultural da Humanidade o Parque Nacional da Serra da Capivara abriga mais de 25.000 pinturas e gravuras rupestres em seus mais de 700 sítios arqueológicos, 120 já abertos à visitação pública. Hoje o Parque é parte de um grande complexo de preservação e proteção ambiental e cultural com seus 130.000 hectares somando-se a um corredor ecológico e aos 526.000 hectares do Parque Nacional da Serra das Confusões onde a cada dia descobrem-se novos sítios arqueológicos. '

E tudo isso começou porque o Prefeito de São Raimundo Nonato mostrou para uma jovem pesquisadora algumas fotografias daquelas pinturas que o povo chamava de “coisas de índio velho”. E Niède Guidon, brasileira de Jaú, filha de índia e francês, formada em História Natural em São Paulo e Doutora em Arqueologia pela Sorbonne, em Paris, não sossegou enquanto não conseguiu chegar até lá e ver com seus próprios olhos. Nunca mais abandonou a região. Voltou para Paris, conquistou títulos, escreveu livros e inúmeros artigos científicos e conseguiu à custa de uma perseverança admirável e de uma capacidade de liderança ímpar transformar aquela área abandonada aos pecuaristas e desmatadores na maior concentração de sítios arqueológicos das Américas. E de quebra mudou o entendimento que o mundo tinha sobre a história do povoamento da Terra.

Pequenos seixos lascados unifacialmente são a prova de que a região do Boqueirão da Pedra Furada já era habitado há 100.000 anos atrás. Pequenos pedaços de carvão em roda, formando uma espécie de fogão primitivo, foram datados em mais de 40.000 anos e somando estas evidências às inúmeras novas descobertas de ossos, artefatos de pedra, contas e até um cocô humano demonstrou-se que aquela região foi permanentemente ocupada entre 100.000 e 6.000 anos atrás. Todos estes achados colocaram por terra a teoria de que o homem só teria chegado à América do Sul há 12.000 anos atrás.



Muito se tem descoberto desde a chegada de Niède e sua pequena equipe à Serra da Capivara em 1970. Graças a ela e aos abnegados arqueólogos brasileiros hoje temos diversos sítios em estudo espalhados por todo o país e podemos começar a compreender melhor nossos antepassados.



Um dos elementos mais interessantes a nos ajudar a compreender o mundo de 100.000 anos antes de nós é a arte deixada nas pedras no Piauí, na Bahia, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco e no Maranhão. Nestes Estados diferentes sítios arqueológicos parecem terem sido ocupados por humanos de uma mesma tradição cultural.



Estudos sobre a arte rupestre devem ser sempre encarados com muito cuidado pois o simbólico de cada cultura, de cada grupo humano em cada época tem significados diversos e por mais que possamos encontrar imagens que nos tocam hoje, que parecem a nós representações claras de atos perfeitamente reconhecíveis temos que ter em mente que não dominamos aquela cultura. Não conhecemos, a não ser por pequenos sinais, nada de seu cotidiano, de suas linguagens e de suas convenções estéticas.



Niède Guidon sempre dá como exemplo o desenho de um circulo cercado de pequenas linhas. Para nós o símbolo mais óbvio do sol. No entanto para um índio krahô aquela é a imagem da aldeia e dos caminhos que levam às roças.



O estudo da Arte Rupestre é um segmento da arqueologia que exige profundo conhecimento da Antropologia e uma grande capacidade de auto controle. Como diz a arqueóloga Gabriela Martin sobre o trabalho de Anne Marie Pessis sobre as pinturas da Serra da Capivara, publicado no livro Imagens da Pré-História:



“.... um esforço inovador na compreensão do imaginário visual das sociedades indígenas brasileiras. ...... uma abordagem teórica, que permite uma análise rigorosa e sem concessões interpretativas.” (o destaque é meu)







Aventuras de uma Acrobata Mental na Serra da Capivara



Há muito tempo tenho usado este termo - acrobata mental - para definir a perigosa arte de traduzir o universo circense para além dele mesmo, desvendando sua história e revelando seus admiráveis personagens.



Mas desde o momento em que me deparei com a imagem dos Acrobatas do Boqueirão da Pedra Furada, percebi que estava diante de um desafio digno de um salto triplo no trapézio. E sem rede.



Quanto mais olhava para as figuras mais tinha certeza de que estava vendo a representação de uma ação acrobática: o movimento de cabeça da figura à esquerda no grupo do meio, cabeça para trás, corpo arqueado, pernas seguindo o movimento; os braços da segunda figura à direita que parecem jogar o companheiro que tem os pernas dobradas soltas no espaço, pura acrobacia. Me encantei com a delicadeza da figura central que apóia a cabeça do companheiro, os braços para cima e a cabeça para trás. Tudo isso dá à cena um movimento, uma dinâmica, uma expressividade acrobática.

Mas quando comecei a me embrenhar nos meandros da arqueologia o medo tomou conta de mim. Será que esta era uma hipótese viável ? As palavras de Gabriela Martim e a tese da Anne Marie Pessis me perseguiram o tempo todo. - Não posso me permitir “concessões interpretativas!” - pensava eu.



Por muito tempo meu maior pesadelo foi a legenda desta imagem no livro Imagens da Pré-História:

“ figuras humanas dispostas em círculo, onde as distâncias e a profundidade são produto de uma “perspectiva plana”.

 
Esta “perspectiva plana” me persegue até agora.

Li, li muito. E me deparei com um universo imenso que se refaz a cada nova descoberta. A arqueologia é uma ciência para gente de nervos fortes, como os acrobatas. A todo momento uma nova descoberta, uma nova datação te obriga a rever todos os teus conceitos, a refazer o trabalho de uma vida por conta de uma conta de um colar encontrado ao lado dos ossos de uma jovem soterrada há tantos milênios.

Num primeiro momento acreditou-se que as figuras pintadas no Boqueirão da Pedra Furada teriam no máximo 12.000 anos. Mas há relativamente pouco tempo conseguiu-se datar uma área de escavação que continha uma placa de rocha pintada em 27.000 anos. Portanto podemos afirmar que aquelas figuras podem ter sido pintadas há mais de 27.000 anos. Infelizmente ainda não foi desenvolvido um método para datar os pigmentos, assim não podemos afirmar em que momento foi feita esta ou aquela figura específica. O que sabemos com certeza é que seres humanos, ligados àquelas tradições pintaram naquelas rochas por mais de 27.000 anos.

A explicação de porque naquela figura a roda estaria representada na perspectiva plana e em outros inúmeros momentos encontramos figuras em perspectiva com profundidade é dada pelos estudiosos, Anne Marie Pessis à frente, através do estabelecimento de diferentes tradições, algo que de uma forma simplista traduzo aqui como estilos.

Trata-se de uma questão complicada, assunto para especialistas. Mas me permito aqui, mais uma vez, me apropriar do discurso de Gabriela Martins no seu livro Pré-História do Nordeste do Brasil:

“O termo tradição está bem aceito e arraigado no Brasil para as macro-divisões de registros rupestres se bem que nem todos os autores estejam de acordo com sua conceituação. Utilizado também para as indústrias líticas e cerâmicas, equivale ao conceito de horizonte cultural, termo menos utilizado, porém usual na bibliografia de outros países do continente.

O conceito de tradição compreende a representação visual de todo um universo simbólico primitivo que pode ter sido transmitido durante milênios sem que, necessariamente, as pinturas de uma tradição pertençam aos mesmos grupos étnicos, além do que poderiam estar separados por cronologias muito distantes......

Um dos primeiros pesquisadores a utilizar o termo tradição aplicado à arte rupestre foi Valentin Calderón, na Bahia, em 1970, para definir “o conjunto de características que se refletem em diferentes sítios associados de maneira similar, atribuindo cada uma delas ao complexo cultural de grupos étnicos diferentes, que as transmitiam e difundiam, gradualmente modificadas através do tempo e do espaço.”

A definição de tradição formulada por A.M. Pessis e N. Guidon (1992) considera os tipos de figuras presentes nos painéis, as proporções relativas que existiam entre esses tipos e as relações que se estabelecem entre os diversos grafismos que compõem um painel. Os tipos que caracterizam uma tradição são estabelecidos a partir da síntese de todas as manifestações gráficas existentes na área arqueológica determinada, ou resumindo: “ a classe inicial conhecida como tradição ordena os registros gráficos por grupos que representam identidades culturais de caráter geral”.

Para A Prous (1992), a tradição é “a categoria mais abrangente entre as unidades rupestres descritivas, implicando uma certa permanência de traços distintivos, geralmente temáticos.”


Gabriela finaliza esta explicação com um parágrafo que me encheu de esperanças:

“A ambiguidade das definições reflete, em geral, a dificuldade de se conhecer o universo extremamente complexo que representa a arte rupestre, do qual raramente possuímos contexto, realidade que distingue a arte pré-histórica das restantes manifestações estéticas do homem.”

O trabalho realizado por Niède Guidon e Anne Marie Pessis na Serra da Capivara foi fundamental para todos os estudos realizados na arte rupestre brasileira, notadamente nas figuras encontradas no Nordeste. As pesquisadoras estabeleceram duas grandes tradições, a Nordeste e a Agreste que são divididas em sub-tradições de acordo com a região e algumas características de técnica e estilo.

A grande maioria das figuras encontradas na Serra da Capivara foram classificadas na Tradição Nordeste. As características fundamentais desta tradição seriam a variedade dos temas apresentados; a riqueza de enfeites e atributos que acompanham a figura humana; o movimento e a dinâmica; o pequeno tamanho das figuras humanas, geralmente entre cinco e quinze centímetros. Gabriela Martin, assim define a tradição Nordeste:

 

“(as figuras humanas são) às vezes possuídas de grande agitação, com o rosto de perfil como se gritassem. A luta, a caça, a dança e o sexo são habilmente representados com grande riqueza de interpretações, utilizando-se uma técnica de traço leve e seguro.”

Neste momento comecei a me tranquilizar, respirei fundo e voltei a me concentrar na acrobacia e nos acrobatas pré-históricos. Pois se com todo o cuidado para não se permitir “concessões interpretativas” minhas arqueólogas preferidas concordavam que ali haviam cenas de dança, luta e sexo, me senti liberada para retomar meus estudos sobre a prática das artes da proeza e do equilibrio na pré-história.

A Pedra Furada

Ombro a ombro - colunas humanas acrobáticas na pré-história




Outra figura acrobática, e essa recorrente em toda a tradição nordeste, são as pinturas de figuras humanas equilibrando-se nos ombros uns dos outros.

Toca da Entrada do Pajaú


À esquerda uma imensa coluna de quarta altura. O imenso animal não parece fazer parte da cena. O mesmo não se pode dizer da pequena figura que parece voar, pernas e braços soltos no alto à esquerda.

Coluna de quatro
Toca do Pajaú


A figura da base está segurando a da segunda altura pelas mãos. A da terceira altura parece equilibras-se sobre os pés do da segunda e, por sua vez, segurar o da quarta altura pelas mãos.

Exagero do artista ? Representação do imaginário ?

Ou habilidade técnica extrema ?

As figuras de colunas humanas são bastante comuns em diferentes sítios arqueológicos. Na Toca do Pajaú, sítio próximo ao Boqueirão da Pedra Furada encontramos várias versões dos equilibristas pré-históricos.

Uma das pinturas mais curiosas que já vi. A sensação é de um salto pintado quadro a quadro.

Teriam nosso antepassados inventado o cinema?

De qualquer forma esta é uma das imagens que vem corroborar a tese da prática de acrobacia pelos grupos humanos que pintaram as tocas na Serra da Capivara. Nunca poderemos afirmar o sentido dessas figuras, o por que elas foram pintadas nem o que representavam. No entanto nossos antepassados se preocuparam em desenhar figuras que estão completamente de ponta cabeça, como a primeira à esquerda. E depois os movimentos de cada uma das figuras demonstram uma capacidade de colocar a coluna em arco, de voar sem nenhum apoio, como num salto mortal. Nesta linha chama a atenção que a figura central esteja de pé, em equilíbrio completo enquanto todas as demais estão em diferentes posturas de salto.

Conclusão:

As imagens encontradas neste primeiro contato com o universo das pinturas rupestres do nordeste brasileiro demonstram que nossos antepassados realizavam proezas de equilibrarem-se uns sobre os outros seja com os pés sobre os ombros dos companheiros seja com o equilibrio de “mão a mão”.

Demostram também que nossos antepassados conheciam os movimentos do salto mortal, quando o indivíduo dá uma volta completa no ar, sem tocar no chão.

As pinturas por mais que tenham significados que nunca seremos capazes de conhecer demonstram seres humanos em atividades acrobáticas.

Acredito que se estudarmos com método o universo da arte rupestre daquela região encontraremos mais figuras em movimentos acrobáticos. Esta pesquisa é apenas o começo de um trabalho que deve ser realizado sem demora.

As Artes Circenses tem um papel fundamental na expressão cultural de toda a humanidade. São inerentes ao ser humano. As pinturas de nossos antepassados são um eloquente testemunho do papel que as Artes Circenses tem na cultura humana e nos ajudarão a chamar a atenção de nossos contemporâneos sobre a nossa responsabilidade em proteger e valorizar esta forma de expressão artística que tem na sua essência a realização de proezas e a valorização do insólito, do que nos parece impossível de realizar. O Circo é a arte de tornar o sonho realidade.

Boa Leitura e se deliciem com as descobertas de Alice Viveiros, que vão nortear nossa expedição.

















































Trio no ar ou apenas uma coluna pintada numa área em negativa ?










Toca da Entrada do Pajaú


Estes equilibristas estão na encosta da rocha, numa área em negativa. A ilusão é de um trio de trapezistas que se balançam no ar.... No entanto é bem mais provável que seja mais uma coluna dessa vez pintada por alguém numa incômoda posição....






































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